top of page
  • Victor Hugô

Reforma Estatutária: O que é um estatuto?!

Há muito tempo, a “reforma estatutária” é pauta de nossos debates na CELU. O atual estatuto da instituição se monstra desatualizado frente às reais necessidades dos atuais moradores, e crivado de erros na aplicabilidade na realidade concreta. Muito se é falado, mas ainda observo a estranheza de alguns no tato com tal assunto. Venho estudando a matéria das Associações Sem Fins Econômicos desde o fim de 2015, e considero de suma importância alguns esclarecimentos sobre o tema, para que os moradores possam participar mais ativamente da reforma estatutária.

O presente texto almeja a quebrar alguns paradigmas criados por leigos e fariseus. Nessa primeira parte, será realizada uma exposição do rol mínimo de disposições que um estatuto deve possuir, segundo o artigo 54 do Código Civil, “sob pena de nulidade deste instrumento”. Para essa finalidade, pautei-me na orientação trazida pelo livro do ilustre professor de Direito Civil da UFPR, Dr. Rodrigo Xavier Leonardo, “Associação Sem Fins Econômicos”, e em seus ensinamentos em sala de aula, para além dos códigos e da jurisprudência brasileira.

É importante iniciar salientando que o estatuto da associação é um “organizador das decisões associativas mais importantes”; seria razoável, dessa forma, a comparação com uma “Constituição da associação”. Dito isso, o artigo 54 do Código Civil de 2002 nos apresenta os requisitos que dão validade aos estatutos, sendo eles: a) a denominação, os fins e a sede da associação (inciso I); b) os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados (inciso II); c) os direitos e deveres dos associados (inciso III); d) as fontes de recurso para sua manutenção (inciso IV); e) modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos (inciso V); f) as condições para a alteração das disposições estatutárias e para dissolução (inciso VI); g) a forma de gestão administrativa e de reprovação das respectivas contas (inciso VII).

A denominação da Associação (art. 54, I, CC) é exigida, pois como sujeito de direito a associação deve ter um nome pelo qual possa se identificar e ser identificada. O professor Rodrigo Xavier explica que a denominação associativa indica a possibilidade de utilização de um signo de identificação da entidade independente do nome dos associados originários, inclusive pela adoção de elementos de fantasia. Há, entretanto, alguns princípios que devem ser observados nesse ponto: a) o princípio de veracidade, segundo o qual o nome da associação deve guardar pertinência com a estrutura e a função da entidade; b) o princípio da incolumidade do nome alheio, que diz respeito à necessidade de obtenção de prévia autorização pela associação para utilizar o nome de particular. Atenta RXL que não devemos confundir a denominação da associação com seu nome comercial, principalmente pela proteção concorrencial que este último contém. Salienta ainda: “uma vez que o nome seja atribuído à associação, esta passa a titularizar todas as posições jurídicas decorrentes deste direito de personalidade, (...) tanto em sua vertente patrimonial quanto extrapatrimonial”.

Os fins da associação são esclarecidos pelo estatuto como a “razão de ser da instituição”, ou seja, sua finalidade. Essa delimitação de finalidade servirá como sustentáculo para as possíveis (e inúmeras) atividades associativas às quais a instituição poderá recorrer. De fato, enquanto as sociedades se identificam por seu objeto, as associações se configuram pelas suas finalidades. As finalidades não podem ser econômicas, mas isso não impede que as associações desenvolvam atividades lucrativas.

A sede da associação deve ser determinada por um endereço em lugar fixo, onde a entidade se estabeleça e onde possa ser encontrada. É indispensável uma sede para que se possa constituir sujeito de direito; sendo assim, a sede é o pulmão da associação. No entanto, nada impede que, além da sede principal, haja outras sedes para o desenvolvimento das práticas associativas. A determinação da sede tem reflexos importantes para a atividade plena da associação, pois dela virá, por exemplo, “a fixação dos deveres tributários e o recebimento de intimações e citações judiciais”.

Os requisitos para a admissão e exclusão dos associados dirão o meio pelo qual serão admitidos e excluídos os associados. Como entidade do direito privado, há um campo amplo para que se definam diferentes moldes de adesão dos novos membros e exclusão de membros (respeitando os princípios da legalidade e do devido processo legal, entre outros, é claro). Rodrigo Xavier explana que “a rejeição ao pedido de ingresso na associação não precisa ser motivada”. São conhecidas as práticas de algumas associações em que apenas o voto de um associado se mostra suficiente para a interdição do acesso de um novo associado (por mais frívolas que sejam suas motivações).

A exclusão de associados deve contemplar critérios claros e precisos. Seguindo o artigo 57 do Código Civil de 2002: “A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”. Deve-se, também, diferenciar a exclusão e o desligamento, pois, enquanto o primeiro segue via punitiva, o segundo é um exercício de liberdade do associado.

O estatuto contemplará os direitos e os deveres dos associados. A relação entre a associação e seus associados é pertinente, sendo o associado investido de um papel que lhe confere direitos e lhe impõe deveres. Aqui verifica-se um amplo espaço para a modulação de direitos e deveres pertinentes ao associado. O artigo 58 do Código Civil deixa claro: “Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto”.

As fontes e os recursos para a manutenção relacionam-se com as despesas da associação no cumprimento de sua finalidade. Exige-se transparência dos associados perante as fontes de recursos. Nada impede que na cláusula a respeito das origens dos recursos para a manutenção de uma associação sejam esclarecidas algumas fontes de recurso vedadas pelos associados.

O modo de constituição e de funcionamento dos órgãos, previsto no estatuto, versará sobre o método utilizado na tomada de decisão dentro da associação por seus respectivos órgãos. Toda associação deve, no mínimo, possuir órgãos deliberativos e executivos, pois esses serão os responsáveis pela tomada e implementação das decisões. Diz RXL que “os órgãos deliberativos são colegiais e têm sua formação dependentes de convocações que necessitam observar os requisitos formais e substanciais. Será permitido critérios para averiguação da forma da tomada de decisões associativas, logo, servirão para diferenciar os atos associativos dos atos dos associados”.

Vinculados a tais órgãos está “o modo de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas”, o qual ilustrará a separação entre os órgãos deliberativos, dotados de poder para a tomada de decisões da entidade (punibilidade, zelar pelo estatuto, etc.), dos órgãos executivos, competentes no agir externamente e na representação da associação (expor posições em nome da casa, praticar atos jurídicos, etc.). O artigo 54 do CC/2002 aponta a necessidade de um órgão fiscalizador (CF) das contas da associação, sendo fundamental que tal órgão seja diverso do órgão executivo da entidade (Diretoria). No entanto, nada impede que a aprovação das respectivas contas se dê pelo órgão deliberativo, por exemplo.

Em fim, mas não menos importante, os critérios para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução. A associação sem fins econômicos é um subtipo associativo que permite maleabilidade estrutural. Mostra-se fundamental que no estatuto conste os critérios para sua alteração, além disso, são de especial relevância cláusulas imutáveis explícitas, a fim de evitar a desconfiguração da instituição.

A desconstituição de uma associação é um momento delicado, seu desenrolar pode confirmar ou anular a ausência de finalidades econômicas. Mecanismos indiretos de distribuição de patrimônio aos associados podem significar repartição de lucros. O Código Civil em seu artigo 61 estabelece que o patrimônio líquido de uma associação deve ser destinado à uma entidade de fins não econômicos, mas na ausência desta, mediante deliberação dos associados, deve-se destiná-lo para instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes.

Continua...

Victor Hugô – Direito UFPR

bottom of page