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  • Marcos Nazário

Depois do arco-íris... vem a tempestade

Um lago em meio a uma região seca. Um grupo de primatas antropoides reside próximo a ele. Estão ali há muitas gerações, abrigados do calor pela sombra das poucas árvores que circundam o local e se alimentando com o que encontram nas redondezas. A vida não é fácil, mas também não é difícil. Até o dia que outro grupo aparece e rapidamente percebem que é muito macaco para pouco lago. Tentam evitar conflito, cada macaco no seu galho, mas nem galhos suficientes para cada macaco há. Está declarada a guerra. Após algumas semanas e muitos conflitos, um grupo leva a melhor.

A eles, o repouso e recuperação. Ao outro, a peregrinação e talvez alguma esperança de encontrar algum lugar antes de caírem mortos. Uma luta indesejável, mas necessária, alguns diriam, e emendariam: poderiam ter vivido em paz, mas as condições não o permitiram, os recursos nunca são o suficiente para todos e da escassez sempre há de surgir o conflito. O que muitos dos que enunciassem essa frase talvez não imaginem, é que dá abundância pode também surgir o conflito.

Em 1972, o psicólogo John Calhoun criou o Universe 25, ambiente paradisíaco projetado para ratos. Consistia em uma caixa quadrada de dois metros e meio de largura e um metro e meio de altura, com diversos “blocos residências” que juntos, formavam 256 caixas, cada qual possuindo espaço para 15 ratos viverem comodamente. Ambiente livre de predadores, comida e água ilimitadas, infecções controladas, locais para cópula e todas as demais necessidades atendidas. Um verdadeiro sonho roedor. O local foi preenchido com quatro machos e quatro fêmeas. Eles geraram filhos, que geraram filhos, que geraram filhos que... Em cerca de 10 meses havia aproximadamente 600 ratos. Ali, foi possível observar a gênese dos problemas que causariam a autodestruição de todos os habitantes daquele local.

Apesar dos locais de residência serem de grande número e abrigarem milhares de ratos, o acesso tanto dos “apartamentos” como dos blocos, era limitado por uma quantia escassa de corredores. Os ratos se chocavam constantemente ao circularem por eles. Devido ao modo como foram projetados, era possível impedir a passagem de um rato, devido aos locais de acesso ao pátio serem estreitos. Não tardou para que algum deles percebesse isso. Estava aberta a temporada de desigualdade de habitação entre os ratos, e aberta a reforma do paraíso para o inferno.

Apesar da capacidade para convivência de cerca de quase 4000 ratos, a população começou a decair ao chegar próxima de 2200 sujeitos. Os ratos mais fortes criaram grupos e passaram a impedir a entrada da grande maioria nos conjuntos habitacionais. Dentro deles mantinham algumas fêmeas, e além da atividade de cópula, eles basicamente dormiam, comiam e circulavam pelo espaço. Enquanto isso, os milhares de ratos presos no pátio ficavam cada vez mais estressados, e os ratos “de elite”, dado o seu isolamento, foram afetados também. Em um ano e meio imperavam os conflitos súbitos, o canibalismo e o abandono e/ou homicídio de filhotes, com a mortalidade infantil atingindo aproximadamente 95%.

A festa acabou e o caos social levou a extinção de todos. Com isso, John revelou que mesmo em condições com recursos ilimitados, existe a possibilidade de surgirem conflitos que ocasionem em verdadeiros genocídios. Na época em que o experimento foi feito, Calhoun estendeu seu resultado a espécie humana, sugerindo que o mesmo ocorreria nas grandes metrópoles que, naquele período possuíam um grande fluxo imigratório. Felizmente, como pode se ver hoje, isto não ocorreu. Além disso, John foi muito criticado por estender precipitadamente seus resultados, dizendo que isto se aplicaria aos humanos sem investigação mais atenta. De qualquer modo, ainda que seus prognósticos tenham dado errado, o experimento gera um questionamento a algo que até então era considerado como um fato: em um mundo com recursos ilimitados de todo o tipo para toda a gente, seriam mesmo erradicados os grandes conflitos?

Vista aérea de habitação dos ratos

Fonte: Ramsden, D., & Adams, J., (2008). Escaping the Laboratory: The Rodent Experiments of John B. Calhoun & Their Cultural Influence. London School of Economics. Working Papers on The Nature of Evidence: How Well Do ‘Facts’ Travel? No. 23/08.

Marcos Nazário

Psicologia - UFPR

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